O deputado federal Otoni de Paula (MDB-RJ) entregou pessoalmente uma carta escrita à mão ao ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em que pede perdão por ofensas proferidas em 2020. Na época, tomado por “forte emoção”, o parlamentar chamou o magistrado de “lixo”, “canalha”, “vergonha”, “esgoto” e “déspota” durante duas transmissões ao vivo em suas redes sociais.
A entrega do documento marcou um gesto de tentativa de reconciliação do deputado, que hoje responde a uma ação penal no STF por difamação, injúria e coação no curso do processo. A Procuradoria-Geral da República (PGR), sob comando de Augusto Aras à época, ofereceu denúncia contra ele em julho de 2020. Em 2023, o Supremo aceitou a acusação, tornando Otoni réu. Moraes, por ser parte diretamente ofendida, se declarou impedido e não participou do julgamento.
“Fui vencido pelo destempero e seduzido por aquele momento de ataque às instituições, uma página triste da política brasileira”, escreveu o parlamentar na carta. “Peço escusas à Vossa Excelência”, completou.
Carta e apelo emocional
Na carta, Otoni tenta humanizar sua posição ao relatar que, ao saber pela imprensa que teria seu sigilo bancário quebrado por decisão de Moraes, sentiu sua “honra como político, pastor e chefe de família sendo exposta”. A medida fazia parte do inquérito que investigava atos antidemocráticos e atingia também outros parlamentares da base de Jair Bolsonaro, então presidente da República.
“Naquele momento […] acabei me dirigindo a Vossa Excelência com um nível de desrespeito que me envergonho hoje”, afirma no texto.
No desfecho da carta, o deputado faz um apelo direto, reconhecendo os riscos de ser condenado pelo STF:
“Tenho consciência que o julgamento […] pode estabelecer a perda do meu mandato parlamentar e o fim da minha carreira política, mas suplico o favor de Vossa Excelência, que me ajude a não viver essa vergonha diante dos meus filhos e da minha Igreja.”
Encontro com Moraes e tentativa de acordo
Otoni de Paula revelou que o ministro Alexandre de Moraes o recebeu em audiência no gabinete por cerca de 15 minutos e que o clima foi de cordialidade. “O ministro me recebeu com respeito. Eu errei, e ele entendeu isso. Mostrou que o problema nunca foi a crítica institucional, mas sim o ataque pessoal”, disse o deputado.
A conversa pode abrir caminho para um acordo de não persecução penal, alternativa que, se aceita, evitaria a condenação e, por consequência, a cassação do mandato. Otoni disse que continuará exercendo seu direito de se posicionar contra decisões da Suprema Corte, mas de forma respeitosa e institucional.
Isolamento político e desgaste na bancada evangélica
A guinada de Otoni de Paula, que hoje se aproxima do governo Lula, causou atritos com antigos aliados bolsonaristas. Em fevereiro deste ano, ele perdeu a eleição para a presidência da Frente Parlamentar Evangélica, tradicional reduto conservador. O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) teria atuado diretamente para barrar a candidatura de Otoni, orientando a bancada do PL a apoiar Gilberto Nascimento (PSD-SP).
A derrota consolidou o afastamento entre Otoni e o núcleo duro do bolsonarismo, que o vê hoje como “governista”. A presença do deputado em cerimônias do Palácio do Planalto e elogios públicos ao presidente Lula irritaram lideranças como o pastor Silas Malafaia.
Apesar disso, Otoni de Paula ainda tenta manter sua relevância na cena política nacional, agora navegando em águas mais moderadas, tentando equilibrar sua trajetória como pastor, deputado e aliado tático do governo federal.
Enquanto aguarda a decisão do STF sobre seu caso, o deputado aposta na retratação e no perdão como saídas para preservar o mandato e reconfigurar seu espaço político em Brasília.
Leia, abaixo, a íntegra da carta enviada pelo deputado ao ministro Alexandre de Moraes:
“Excelentíssimo Sr. Ministro do STF Dr. Alexandre de Moraes
Venho respeitosamente, através desta carta, redigida por mim mesmo, a Vossa Excelência, com objetivo de lhe pedir perdão, como tive a oportunidade, mesmo que rapidamente, lhe pedir em solenidade no Palácio do Planalto no ano passado, por minhas declarações ofensivas e desrespeitosas a Vossa Excelência em duas infelizes ocasiões.
A primeira quando Vossa Excelência determinou a quebra dos meus sigilos. Soube da decisão de Vossa Excelência através da imprensa. Naquele momento, vi minha honra como político, pastor e chefe de família sendo exposta à opinião pública, tão acostumada a associar tais decisões judiciais à corrupção ou algo parecido. Por viver da minha imagem e sabedor que tenho pautado minha vida pública e privada na honestidade, tomei a decisão de abrir uma live pela minha rede social com o intuito de me defender e, justamente, nesse momento, tomado de forte emoção, acabei me excedendo e acabei me dirigindo a Vossa Excelência com um nível de desrespeito que me envergonho hoje.
A segunda ocasião, que se deu em menos de 30 dias do ato acima mencionado, foi durante uma outra live, esta motivada a defender o sr. Oswaldo Eustáquio, embora até aquele presente momento nunca ter estado com o jornalista pessoalmente.
Apenas pelas redes sociais, me posicionei em sua defesa, diante de uma decisão de Vossa Excelência. Nesse momento, ainda movido e tomado de forte emoção e sentimento de injustiça pela decisão de Vossa Excelência, relatado no parágrafo acima, mais uma vez me excedi ao me dirigir a Vossa Excelência de forma desrespeitosa.
Ministro, sou pastor há mais de 30 anos das Assembleias de Deus, portanto, tal comportamento e vocabulário ofensivo, são inaceitáveis pela Igreja, mas fui vencido pelo destempero e seduzido por aquele momento de ataque às instituições, uma página triste na política brasileira. Por essa razão quero demonstrar à Vossa Excelência meu profundo arrependimento, pedindo escusas à Vossa Excelência.
Tenho consciência que o julgamento que serei submetido no plenário da Suprema Corte, por ofensas a Vossa Excelência, pode estabelecer a perda do meu mandato parlamentar e o fim da minha carreira política, mas suplico o favor de Vossa Excelência, que me ajude a não viver essa vergonha diante dos meus filhos e Igreja.
Mais uma vez, perdão
Dep. Otoni de Paula”