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sexta-feira 6 de setembro de 2024 às 19:25h

De ministro mais aplaudido a denunciado por assédio sexual: a passagem de Silvio Almeida pelo governo Lula

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No final de 2022, o anúncio de Silvio Almeida como ministro dos Direitos Humanos foi um dos mais exaltados por simpatizantes do governo e especialistas do setor. No seu discurso de posse, o advogado e professor emocionou o público ao destacar o valor de negros, pobres, indígenas, LGBT+ e mulheres para o país, em uma tentativa de marcar posição em contraponto ao governo anterior de Jair Bolsonaro. Mas, menos de dois anos depois, Almeida, que se notabilizou pelo seu trabalho e estudos sobre racismo estrutural no Brasil, foi demitido por decisão do presidente Lula devido à série de denúncias de assédio sexual que ele teria cometido, principalmente contra a ministra da Igualdade Racial Anielle Franco.

Silvio Almeida nega as acusações. O caso está sendo investigado pela Polícia Federal e pela Comissão de Ética da Presidência da República.

No dia de sua posse, em 3 de janeiro de 2023, o nome de Silvio Almeida ficou entre os assuntos mais comentados do então Twitter, com 19 mil publicações. Era um sinal do nível de popularidade que ele alcançava naquele momento. Filósofo e professor com vasta experiência acadêmica, Almeida levaria mais pluralidade à Esplanada, com a promessa de reconstrução das políticas de combate à violência e à tortura.

Durante seu discurso, ele afirmou que seria um ministro que colocaria “a vida e a dignidade em primeiro lugar” e se posicionou a favor das consideradas “minorias sociais”. Assim, as “mulheres do Brasil” foram um dos grupos destacados no discurso.

— Permitam-me como um primeiro ato, como ministro, dizer o óbvio, que, no entanto, foi negado nos últimos quatro anos. Trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, vocês existem e são valiosos para nós. Mulheres do Brasil, vocês existem e são valiosas para nós. Homens e mulheres pretos e pretas do Brasil, vocês existem e são pessoas valiosas para nós. Povos indígenas deste país, vocês existem e são valiosos para nós. Pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transsexuais, travestis, intersexo e não-binárias, vocês existem e são valiosas para nós — afirmou o ministro.

Com um discurso forte, Almeida disse que seu maior compromisso seria o de “lutar para que o estado brasileiro deixe de violentar seus cidadãos” e foi efusivamente aplaudido. Além disso, ele prometeu combater “todo tipo de assédio” e mencionou, em diferentes momentos, as irmãs Marielle e Anielle Franco.

— Trabalharemos pela valorização dos servidores, pelo combate a todo tipo de assédio e para que vocês (os servidores) sejam reconhecidos — disse Almeida, que lembrou a história de personalidades negras. — Também trago a luta de Zumbi, (…), de Marielle Franco (…) de tantos outros que permitiram que eu estivesse aqui hoje.

Disputas políticas e elaboração de projetos

Nos meses seguintes, houve apresentação de planos, eventos midiáticos, embates políticos e discursos importantes. Mas, ao mesmo tempo, Silvio Almeida sofreu revezes internos e dificuldades para implementar programas. Como mostrou O GLOBO, no primeiro ano de gestão, a pasta, que tinha o quarto menor orçamento da Esplanada, liberou apenas 56% dos R$ 442 milhões reservados para gasto em 2023, em programas, por exemplo, para população de rua, LGBTQIA+ e crianças e adolescentes, segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop).

Em resposta, o Ministério dos Direitos Humanos informou que 97% dos recursos disponíveis foram empenhados, ou seja, reservados para gasto — uma etapa anterior à da execução do recurso. “Sendo que os 2,5% restantes correspondiam a emendas parlamentares com impedimento técnico para execução. Dessa forma, o MDHC executou quase a totalidade do orçamento efetivamente disponível”, argumentou.

O fato é que importantes projetos elaborados não saíram do papel. Um dos exemplos é o Plano Ruas Invisíveis, destinado à população em situação de rua, que previa orçamento de quase R$1 bilhão em ações divididas entre sete eixos de atuação, desde assistência social a habitação. O programa foi lançado no final de 2023, mas somente em abril passado houve a primeira assinatura de um termo de compromisso com uma prefeitura para as ações. A cidade do Rio, a segunda do país com mais população em situação de rua, foi escolhida. Desde então, pouco foi feito, afirmam especialistas, que citam, além de maior fonte orçamentária, a necessidade de cooperação de prefeituras e governos estaduais.

Uma das principais brigas políticas de Almeida durante sua gestão foi a recriação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, encerrada no governo Bolsonaro. O então ministro defendia a retomada do grupo, mas a resistência nas Forças Armadas impediu o plano no primeiro ano do governo Lula. Há dois meses, após recomendação do MPF, o presidente assinou o decreto que reativava a comissão.

Somente há pouco mais de uma semana, a comissão foi oficialmente retomada, em cerimônia organizada pelo Ministério dos Direitos Humanos. Em seu discurso, Silvio Almeida se emocionou e definiu a medida como um “momento de cura” para o país.

— A luta pela memória se transformou em uma batalha conta o revisionismo histórico que, agora, se dá no mundo digital. Não nos esqueçamos que as tragédias no Brasil se sucedem. O Brasil é um país que não tem rituais de morte: é um país sem luto, um país formado de tragédias e traumas — afirmou.

Antes, Almeida conseguiu recriar a Comissão de Anistia, já no seu primeiro mês de gestão. A nova composição retirou militares nomeados pro Bolsonaro, incluiu perseguidos políticos, e passou a revisar atos do governo passado. O colegiado fechou 2023 com pelo menos mais dez indenizações de pagamento permanente e 34 de prestação única.

No cenário internacional, Almeida ajudou a conquistar uma vitória importante para o governo: o retorno do Brasil ao Conselho dos Direitos Humanos da ONU, em outubro do ano passado. O então ministro seria o responsável por representar o governo brasileiro no colegiado.

— Essa eleição demonstra o respeito que o Brasil tem na comunidade internacional quando se trata do tema dos direitos humanos — afirmou Almeida.

Derrotas e polêmicas

Entre as derrotas internas, Almeida viu pareceres do Ministério dos Direitos Humanos serem ignorados pela presidência. Um deles defendia a inclusão de “locais de natureza religiosa” no rol de estabelecimentos obrigados a seguir o protocolo do “Não é Não”, de proteção a vítimas de violência doméstica.

A pasta também defendeu o veto integral ao texto do marco temporal para a demarcação de terras indígenas, sancionado parcialmente pelo Planalto. A Lei Orgânica das Polícias Militares também foi alvo de divisão. Os Direitos Humanos criticaram pontos do texto, mas Lula seguiu parecer da pasta da Justiça.

Durante seu trabalho à frente do ministério, o racismo, que é tema de livros publicados por Almeida, foi um dos principais temas abordados. Ele foi um dos integrantes do governo a se manifestar, por exemplo, sobre a abordagem policial em fevereiro, no Rio Grande do Sul, quando um homem negro foi detido após denunciar ter sido ferido com faca por um idoso de pele branca.

O próprio Almeida foi alvo de manifestações racistas em alguns momentos. Em fevereiro, a Procuradoria Geral da República denunciou o deputado federal Gustavo Gayer (PL-GO) por ter vinculado a afrodescendência do então ministro a uma “suposta inferioridade do quociente de inteligência dos povos africanos e afrodescendentes”, conforme dizia a denúncia.

Em 2018, Silvio Almeida lançou o livro “Racismo Estrutural”, onde apresenta dados estatísticos e discute como o racismo está na estrutur social, política e econômica da sociedade brasileira.

Na Câmara, Silvio Almeida chegou a ser alvo de pedido de impeachment apresentado pela oposição após usar recursos da pasta para transportar Luciane Farias, conhecida como “dama do tráfico amazonense” para Brasília. Ela foi convidada pelo Ministério dos Direitos Humanos para falar em evento de combate à tortura. O documento reuniu a assinatura de 46 deputados.

Almeida nega acusações e aponta ‘interesses escusos’ de organização

Assim que a acusação veio à tona, nesta quinta (5), o Ministério dos Direitos Humanos disse que a organização Me Too Brasil demonstrou “interesses escusos” em uma licitação do governo federal.

“A organização responsável pela divulgação das supostas denúncias possui histórico relacional controverso perante as atribuições desta pasta. Diante das informações amplamente compartilhadas, a equipe ministerial verificou uma sequência de fatos que merece ser elucidada, em respeito ao povo brasileiro”, afirma a nota do ministério.

O ministério acusa a Me Too Brasil de ser contrária, em 2023, à separação dos serviços “Ligue 180” e “Disque 100”, decorrente da divisão da pasta em relação ao Ministério das Mulheres. Diz também que por ser uma possível participante do processo licitatório para operar o serviço não poderia tentar alterar as regras pois “configuraria conflito de interesses”. De acordo com a pasta, o Me Too Brasil fez uma nova tentativa “indevida de interferência no desenho da licitação”.

Já a Me Too Brasil repudiou o comunicado da pasta. A organização afirma ser “inadmissível que os canais oficiais de comunicação pública sejam utilizados para a defesa pessoal de qualquer autoridade, especialmente em situações que demandam apuração”.

A organização também afirma que a nota publicada pelo ministério “desvia o foco da grave denúncia de que a Me Too Brasil recebeu relatos de vítimas de assédio sexual praticado por autoridade de alto escalão do governo federal”.

“Esse tipo de reação é comumente adotada por acusados de assédio, que recorrem a campanhas de desmoralização das vítimas, buscando desqualificá-las, na tentativa de desviar o foco e atacar o mensageiro”, diz a nota.

A organização afirma que em relação ao Disque 100 e ao Ligue 180 apresentou, por meio dos canais oficiais do governo federal, uma série de sugestões para o aperfeiçoamento do procedimento licitatório ao Ministério das Mulheres e ao Ministério de Direitos Humanos. A Me Too Brasil acrescenta os serviços são essenciais para o atendimento de vítimas de violações de direitos humanos.

Por fim, a entidade disse que não participa de processos licitatórios, não recebe e nunca recebeu nenhum tipo de verba pública e atuou como sociedade civil colaboradora.

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