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Fachada do Congresso Nacional, a sede das duas Casas do Poder Legislativo brasileiro, durante o amanhecer. — Foto: Pedro França/Agência Senado
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quarta-feira 23 de abril de 2025 às 16:51h

As reformas que domesticaram os indisciplinados do Congresso

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Muito se fala sobre a fragilidade dos partidos políticos no Brasil — e muitas dessas críticas são pertinentes. Identificações partidárias fracas, excessiva fragmentação, legendas de aluguel e alianças voláteis alimentam a imagem de um sistema político caótico, dominado por partidos oportunistas.

Mas seria possível promover disciplina partidária no Legislativo mesmo nesse cenário? É o que sugere a pesquisa que desenvolvo com Matheus Cunha (UFPE), sobre os efeitos das reformas na legislação eleitoral de 2017 — em especial, o financiamento público, as cláusulas de desempenho e o fim das coligações proporcionais — na lealdade partidária na Câmara dos Deputados.

Embora as reformas tenham sido aplicadas de forma universal, seus efeitos não foram homogêneos. Parlamentares com histórico de baixa disciplina mudaram significativamente de comportamento, aproximando-se das diretrizes de seus partidos e passando a agir de forma semelhante aos colegas já disciplinados.

Mostramos que as reformas fortaleceram ainda mais o poder institucional das lideranças partidárias, tornando mais viável a imposição de disciplina. Ainda que não tenha havido aumento generalizado na coesão, nosso estudo revela um processo claro de convergência entre os “indisciplinados” e os “disciplinados”.

Importante destacar: essa mudança não decorreu do uso de emendas ou cargos como instrumentos de patronagem. O que mudou foi a estrutura de incentivos. Ao elevar o custo de sobrevivência de partidos pequenos e frágeis, as reformas empurraram parlamentares indisciplinados para legendas maiores e mais organizadas — onde a disciplina deixou de ser escolha e passou a ser exigência.

Um dos achados mais reveladores é o Índice de Partidarismo Declarado, que criamos com base nas respostas de deputados a perguntas sobre disciplina e fidelidade partidária, coletadas pelo Brazilian Legislative Survey, conduzido por Cesar Zucco e Timothy Power. Esse índice cai junto com a fragmentação partidária — e volta a subir após a reforma, sinalizando um ambiente legislativo mais disciplinado.

Nosso desenho empírico não permite medir o efeito geral das reformas, já que todos os deputados foram afetados ao mesmo tempo. Mas nos possibilita observar com nitidez seus efeitos sobre um grupo estratégico: os parlamentares que antes resistiam à lógica partidária. Mostramos, assim, que reformas institucionais podem sim induzir mudanças relevantes de comportamento — mesmo que de forma desigual.

Esses resultados desafiam visões convencionais sobre o que sustenta a disciplina partidária em democracias fragmentadas. Ao contrário da tese de que coesão depende de vínculos fortes com o eleitorado, como sustentam Scott Mainwaring e Timothy Scully (1995), o caso brasileiro mostra que a disciplina também pode emergir de cima para baixo, quando o desenho institucional muda. Como escreveu Michael Thies (2001), “partidos sem partidários não são paradoxais nem antidemocráticos”. E como propõe Herbert Kitschelt (2000), a disciplina pode ser resultado de incentivos organizacionais, mesmo quando os partidos carecem de clareza ideológica ou enraizamento social.

As reformas de 2017 são um bom exemplo disso: reduziu a fragmentação, ampliou o poder das lideranças e transformou a lealdade partidária em estratégia de sobrevivência.

No fim das contas, o caso brasileiro revela que o comportamento partidário não depende apenas do enraizamento social dos partidos. Mesmo em ambientes com identificação partidária fraca, coalizões instáveis e ambiguidade programática, é possível fortalecer a disciplina no Congresso quando as regras do jogo mudam. As reformas de 2017 não reconectaram partidos e eleitores nem restauraram a coerência ideológica — mas reorganizaram o campo estratégico dos parlamentares e devolveram certo grau de previsibilidade ao comportamento dos partidos no legislativo.

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Opinião por Carlos Pereira no jornal O Estado de São Paulo – Cientista político e professor titular da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE) e sênior fellow do CEBRI.

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