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domingo 16 de maio de 2021 às 15:16h

As famílias do poder em uma sociedade de amigos por Merval Pereira

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A instalação da CPI da COVID-19 trouxe à discussão, de maneira colateral, um problema brasileiro que talvez tenha no deputado Bonifácio de Andrada, de Minas Gerais, que morreu em janeiro, um exemplo radical. A presença de sua família na política vem do Império, e já tem cerca de 200 anos na ação parlamentar. Atualmente, Lafayette de Andrada (Republicanos – MG), seu filho, exerce mandato na Câmara Federal,

Quando os governistas tentaram impedir a participação dos senadores Renan Calheiros e do suplente Jader Barbalho, por serem pais dos governadores Renan Filho, de Alagoas, e Helder Barbalho, do Pará, o que era apenas uma estratégia parlamentar de postergar o funcionamento da CPI, pois ninguém acreditou que os dois fossem proibidos de atuar, trouxe novamente à tona a questão dos clãs familiares na política nacional.

Levantamentos do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP) e do site Congresso em foco mostram que existem hoje na Câmara Federal 172 deputados com algum grau de parentesco de políticos – 33,5% do total –  e 24 senadores, quase 30% das bancadas. Numa eleição disruptiva como a de 2018, na qual políticos tradicionais, como Romero Jucá no Amapá, e clãs familiares como os Sarney e os Lobão no Maranhão não tiveram êxito, a renovação foi grande, especialmente para a Câmara, que já teve anos em que 60% dos eleitos eram ligados a famílias tradicionais de políticos.

Uma disrupção comandada, paradoxalmente, por um dos muitos clãs políticos, os Bolsonaros,  numerados de 1 a 4, três dos quais com cargos legislativos – o senador Flávio, o deputado federal Eduardo e o vereador Carlos, sobrando ainda um futuro mandato de deputado estadual para o mais novo, Renan -, que emergiram do baixo clero para o proscênio da tragédia que estamos encenando.

O próprio presidente Bolsonaro revelou que só se candidatou à presidência porque estava “de saco cheio” de ser deputado federal, depois de sete mandatos consecutivos. Uma brincadeira que custou caro ao Brasil. O antropólogo Roberto Da Matta, um estudioso da sociedade brasileira, considera que esse protagonismo de relações de compadrios marcam os partidos brasileiros, que os trocam pelas ideologias. “Estamos vivendo em um regime colonial, de realeza, de fidalgos, que querem manter e ampliar seus privilégios”. Ele se refere ao decreto presidencial que criou um duplo teto para os funcionários públicos que trabalham no Executivo, permitindo que o presidente da República e seus ministros acumulem salários da função pública com a aposentadoria.

Essa imbricação familiar faz parte de uma crise cultural que vivemos há muito tempo, resultado de uma sociedade de fidalgos, que se colocam em posição superior aos demais da sociedade, que, por sua vez, aceita essa hierarquia que reflete o abismo da desigualdade no país. Da Matta, que estudou o autoritarismo brasileiro a partir da expressão “Você sabe com quem está falando?”, diz que a subserviência dos mais pobres diante dos “fidalgos” mostra que “eles sabem com quem estão falando”. Para ele, a nossa é uma sociedade “de amigos”, em que a família é central.

Essa análise de Roberto da Matta leva a que se compreenda a dificuldade de conter o nepotismo, de investigar os próprios pares,  como se vê permanentemente no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e agora no caso da denúncia contra o ministro Dias Toffoli de ter aceitado propina para mudar um voto em favor de prefeito de um município do Rio. Feita em delação premiada à Polícia Federal pelo ex-governador Sérgio Cabral,  será arquivada sem investigação pelo Supremo Tribunal Federal.

O bate-boca promovido pelo senador Flávio Bolsonaro na CPI da Covid-19, chamando o relator Renan Calheiros de “vagabundo”, e recebendo em troca a mesma pecha, marcou a semana. Mais ainda porque o presidente Bolsonaro no dia seguinte foi a Alagoas, nicho eleitoral dos Calheiros, para atacá-los no próprio campo, acompanhado de dois chefes de clãs alagoanas: o presidente da Câmara Arthur Lira, filho do ex-senador Benedito de Lira, e o ex-presidente Fernando Collor de Mello, filho do ex-senador Arnon de Mello, que já foram aliados de Renan Calheiros e poderão voltar a sê-lo, de acordo com seus interesses.

Por Merval Pereira do jornal O Globo

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