Filha do casal mais icônico da história do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, Expedita Ferreira Nunes carrega há mais de nove décadas o peso e o prestígio de um dos capítulos mais emblemáticos do sertão nordestino. Nascida em 13 de setembro de 1932, no município de Porto da Folha, no estado de Sergipe, Expedita é a única filha reconhecida do casal e se tornou uma guardiã da memória de seus pais — símbolo da luta e da resistência do povo sertanejo.
Da infância marcada pela ausência ao papel de herdeira histórica
Expedita foi entregue, ainda recém-nascida, a um casal de coiteiros — Manuel Severo e Aurora — que tinham a missão de protegê-la longe dos confrontos em que viviam os cangaceiros. Aos 5 anos, ficou órfã após a emboscada que vitimou seus pais em 1938, mas só foi retirada do convívio dos coiteiros três anos depois, por ordem judicial. Passou então a ser criada pelo tio paterno, João Ferreira, na cidade de Propriá, em Alagoas.

Apesar das poucas lembranças da infância ao lado dos pais, Expedita carrega memórias afetivas profundas. Em entrevista, relembrou com emoção:
“Quando ele [Lampião] chegava em casa e me pegava, me abraçava… eu tinha medo de tudo. Mas meu pai me botava no colo e o medo acabava”.
Família, memória e luta pela imagem dos pais
Casou-se em 1947 com Manoel Messias Nunes Neto e estabeleceu-se definitivamente em Aracaju (SE). Juntos, tiveram quatro filhos: Iza, Gleuse, Dejair e Vera, sendo esta última socióloga e pesquisadora da história do cangaço, reforçando o vínculo familiar com a memória de Lampião e Maria Bonita.

Expedita também atua como sócia majoritária da empresa que detém os direitos de imagem de seus pais, e tem travado batalhas judiciais para proteger esse legado. Entre as ações que promoveu, destacam-se processos contra redes de motel (em 2011), contra a plataforma Netflix (em 2022), por uso indevido da imagem dos cangaceiros, e contra um escritor/editor (em 2023), alegando ofensa à honra e memória de seus familiares.
Cultura, reconhecimento e representatividade
Mesmo com idade avançada, Expedita segue sendo figura pública e respeitada, aparecendo em eventos, programas e homenagens por todo o Brasil. Em 2023, aos 90 anos, foi homenageada nos desfiles das escolas de samba Imperatriz Leopoldinense (RJ) e Mancha Verde (SP), que exaltaram a cultura nordestina e a saga dos cangaceiros.

Também no mesmo ano, recebeu da Câmara de Vereadores de Aracaju o título de cidadã aracajuana, aprovado por unanimidade — reconhecimento do seu papel histórico e cultural para o estado de Sergipe.

Na mídia, sua história foi contada em programas como o Mais Você e em documentários e séries, como “Maria e o Cangaço”, produzida pelo Disney+, onde sua trajetória pessoal se mistura com a lenda dos seus pais.
Uma ponte entre o mito e a história
Reconhecida como a única filha biológica de Lampião e Maria Bonita por exame de DNA, Expedita Ferreira Nunes é hoje a maior testemunha viva da era do cangaço. Aos 92 anos, ela preserva o legado com dignidade, firmeza e um senso claro de identidade. Seu papel vai além do sangue: é o de manter viva a história, dar voz às raízes do sertão e garantir que o Brasil jamais esqueça os homens e mulheres que ousaram desafiar a ordem em nome de justiça — mesmo que pelas armas.

Expedita é, enfim, o elo entre o mito e a realidade. Uma mulher cuja existência é, por si só, parte da própria História do Brasil, principalmente de nós nordestinos.

