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Taís Gasparian, advogada especializada em Liberdade de Expressão, e Elvira Lobato, jornalista homenageada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) - Reprodução
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quarta-feira 19 de janeiro de 2022 às 05:51h

Ação para brecar no início o assédio judicial contra jornalistas

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O mais famoso caso de assédio judicial no país -processos movidos por diferentes fiéis da Igreja Universal contra a jornalista Elvira Lobato e a Folha, em 2008- motivou, à época, uma ação perante o STF (Supremo Tribunal Federal) que culminou com a revogação da lei de imprensa.

“Esse mesmo fatídico episódio, que inaugurou uma das mais perniciosas formas de agressão, poderá, agora, culminar com outra decisão do Supremo que proteja direitos constitucionais tão caros como a ampla defesa, o devido processo legal e a liberdade de expressão.”

A previsão é da advogada Taís Borja Gasparian, especializada em Liberdade de Expressão. Ela atuou no caso de Elvira Lobato e assina a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o assédio judicial a jornalistas proposta ao STF pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo).

Nesta segunda-feira (17), a ministra Rosa Weber, relatora da ADI, remeteu a ação da Abraji diretamente ao Plenário e pediu informações ao presidente da República, ao Senado e à Câmara Federal.

As 116 sentenças favoráveis à repórter demonstraram, naquela ocasião, que o Poder Judiciário considerou inaceitável ser instrumentalizado. Mas desde então nada mudou. “Outros casos de assédio foram surgindo, e também tiveram que ser combatidos individualmente, com grande desgaste para comunicadores e jornalistas”, diz Gasparian.

Por isso a Abraji decidiu propor a ação para tentar brecar, no início, os episódios de assédio.

A entrevista a seguir foi concedida por e-mail.

O que distingue o assédio judicial da busca legítima de reparação por uma ofensa?

Taís Gasparian – O assédio judicial ocorre quando uma pessoa ou uma causa se torna alvo de um grande número de processos, como se fosse um ataque de mísseis, num curto espaço de tempo. Esse ataque de processos pode ocorrer a partir da coordenação de uma entidade ou pessoa jurídica, ou mediante a união de pessoas com posicionamentos similares, contra um mesmo alvo. Aparentemente, é um processo como outro qualquer, mas destaca-se como um mau uso do “direito de petição”.

O que caracteriza a tentativa de intimidação orquestrada?

Taís Gasparian – Quando o “ataque de processos” é feito sob a coordenação de uma entidade ou de um grupo, consideramos que o assédio foi “orquestrado”, no sentido de que foi organizado por essa entidade. Há diversos exemplos de casos em que a comprovação da orquestração é facilmente identificada nas redes sociais ou em mensagens particulares ao “alvo”.

Quando há essa orquestração, identifica-se que não há, por parte dos autores dos processos, um interesse genuíno de reparação de dano, mas de mera intimidação.

Há mecanismos para impedir, ainda na fase inicial do processo, o abuso da faculdade de escolher o foro?

Taís Gasparian – O sistema jurídico brasileiro não prevê um instrumento capaz de barrar a enxurrada de processos, de tal modo que, invariavelmente, a intimidação e o constrangimento do “alvo” não tem como ser evitado.

No caso mais famoso de assédio judicial (Igreja Universal x Elvira Lobato, em 2008), as 116 sentenças favoráveis à repórter demonstraram na ocasião que o Poder Judiciário considerou inaceitável ser instrumentalizado. O que mudou, desde então?

Taís Gasparian  O problema é exatamente que nada mudou. De fato o Judiciário deu uma resposta bem firme, porque todas as ações foram julgadas improcedentes e, em grande número de casos, os autores foram condenados em litigância de má-fé.

Ocorre que embora ao final a repórter tenha saído vitoriosa, esse sucesso, por assim dizer, apenas pode ser sentido depois anos de luta e desgaste pessoal. A repórter teve que lutar e responder cada um dos processos, individualmente. Ou seja, se o intuito era prejudicar a repórter, ele foi atingido. Ela realmente sofreu danos e deixou de exercer a atividade.

De lá para cá, nesses mais de 10 anos, outros casos de assédio foram surgindo, e também tiveram que ser combatidos individualmente, com grande desgaste para comunicadores e jornalistas. Por essa razão a Abraji decidiu propor a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) para tentar brecar, no início, os episódios de assédio.

No caso da Igreja Universal foi previsto o ressarcimento por despesas extraordinárias com as viagens para foros distantes?

Taís Gasparian – Não, não houve um caso sequer em que a repórter ou a Folha tivessem sido reembolsadas pelos gastos incorridos.

Os jornalistas que tiveram reconhecida a condição de vítimas de assédio judicial dispõem de mecanismo para obter reparação?

Taís Gasparian – Para que haja o reconhecimento da condição de vítima de assédio, como você diz, seria necessário que uma instância do Poder Judiciário se debruçasse sobre a totalidade dos casos – o que não houve. Como disse acima, o combate foi travado individualmente em cada um dos processos.

Em seguida ao caso da Igreja Universal, juízes e promotores do Paraná articularam pedidos de indenização contra jornalistas, recorrendo a expediente semelhante. Como avalia essa tentativa de agentes políticos e servidores públicos?

Taís Gasparian  Me parece lamentável, abusivo e irresponsável que integrantes do Poder Judiciário e servidores públicos possam valer-se de expedientes similares.

Poderia citar outros exemplos relevantes de assédio judicial?

Taís Gasparian – Nos Estados Unidos, a tática foi identificada há anos no direito concorrencial, e recebeu a denominação de “sham litigation”. Posteriormente, atitude similar foi cunhada como “SLAPP – Strategic Lawsuit Against Public Participation”. Nos EUA e em diversos países da Europa já há legislação que promete reverter a situação. O caso Hulk Hogan x Gawker Media é um clássico nos EUA. Há até documentário na Netflix. Nos EUA, um só processo já pode caracterizar um assédio, porque o custo de responder um processo é gigantesco. Nesse caso, o site Gawker Media, que sofreu o processo, precisou pagar US$ 31 milhões em um “acordo”, e obviamente depois fechou. Recentemente, uma jornalista de Malta chamada Daphne Caruana Galizia foi assassinada, depois de ter sofrido mais de 40 processos por denunciar empresas com atitudes predatórias ambientais.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) tem sido sensível a essa questão? As associações de magistrados se manifestam a respeito?

Taís Gasparian  Diversos órgãos, como a OAB, escolas estaduais da magistratura, associações de magistrados e o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) têm debatido ações e decisões que objetivam a intimidação de jornalistas e comunicadores. De modo geral, os tribunais têm proferido decisões contrárias a qualquer instrumentalização do Poder Judiciário.

Como a Sra. avalia essa iniciativa da Abraji, uma entidade que reúne unicamente jornalistas, professores e estudantes de jornalismo?

Taís Gasparian – A Abraji tem combatido ferozmente todos os tipos de tentativa de intimidação ou agressão a jornalistas, e no caso do assédio também não se aquietou e decidiu tomar providências para impulsionar o STF a declarar inconstitucionais regras processuais que acabam por favorecer o assédio judicial.

Quais ministros das cortes superiores se destacaram por decisões em defesa da liberdade de expressão e contra o abuso do direito de acesso à justiça?

Taís Gasparian  Celso de Mello, Marco Aurélio, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia são ministros do STF que apoiam a liberdade de expressão. Recentemente, os ministros Dias Toffoli e Alexandre de Moraes também proferiram decisões nesse sentido. Há muitos outros no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e nos tribunais estaduais que também entendem a importância de uma imprensa livre para um estado democrático.

Taís Borja Gasparaian é advogada, sócia do Rodrigues Barbosa, Mac Dowell de Figueiredo, Gasparian – Advogados

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