Existe no Paraguai uma regra muito simples sobre os impostos: 10-10-10.
Ou seja, os três tributos mais importantes — o imposto sobre valor agregado (IVA), o imposto de renda de pessoa física e o imposto de renda das empresas — têm a mesma alíquota de 10%.
É o percentual mais baixo em toda a América Latina, com exceção do IVA no Panamá.
Essa característica da tributação paraguaia foi transformada em política de Estado.
Ela é destacada pelos governantes do país como uma das bases para o desenvolvimento da economia e para receber investimentos que poderiam seguir para as outras nações da região.
“O atraente regime 10-10-10 do Paraguai […] também chamou a atenção dos investidores internacionais e constitui um dos principais pilares do receptivo ambiente empresarial do país”, afirmou o governo em nota publicada pela Organização Mundial do Turismo (OMT) no início do ano.
O novo presidente paraguaio, Santiago Peña, assumiu o cargo em 15 de agosto. Durante a campanha eleitoral, ele destacou que não iria alterar os tributos.
“Não vamos aumentar os impostos dos empreendedores, nem das empresas, nem de ninguém, pois os empreendimentos geram grande impacto nos seus locais de instalação”, afirmou Peña em vídeo publicado nas suas redes sociais.
“Eles trazem empregos diretos, segurança social e um sem-número de benefícios para a região, como o aumento do movimento comercial, programas de responsabilidade social empresarial e muito mais.”
O então candidato acrescentou que os empreendimentos “são fundamentais para o desenvolvimento em todos os cantos do Paraguai” e “são eles que pagam seus impostos para que o Estado possa desenvolver o país com obras e programas para as pessoas. Se eles se saírem bem, todos nós estaremos bem.”
Peña reiterou essa diretriz após a posse, em reunião com empresários no mês de setembro.
“Como presidente da República, não tenho interesse em cobrar impostos [nem em], beneficiar uma indústria, [mas sim] em gerar empregos na República do Paraguai […] porque o emprego é a melhor política social que um país pode ter”, afirmou ele.
O objetivo do presidente, expresso em suas declarações, é aumentar a arrecadação de impostos com melhor controle da evasão fiscal.
No caso do IVA, essa evasão atinge 31% — um nível acima da média regional, segundo a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Sucessão de reformas tributárias
O sistema tributário atual do Paraguai começou a ser delineado em 1992.
Naquele ano, uma reforma tributária criou o IVA e determinou que, dali a dois anos, sua alíquota passaria a ser de 10%.
Em 2004, a alíquota do imposto de renda de pessoa jurídica sofreu forte redução, de 30% para os mesmos 10% do IVA.
O argumento, na época, foi que a diminuição da cobrança de impostos traria mais empresas para a economia formal, ampliando a base tributária, segundo explica o então ministro da Fazenda do país, Dionisio Borda, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.
“Nossa visão era que, se fosse mais barato para as empresas formalizar-se do que manter duas contabilidades — uma real e outra, maquiada para o Estado —, mais [empresas] passariam a pagar os impostos na sua totalidade”, diz ele.
“Além disso, reduzimos o imposto de renda das empresas e, em contrapartida, criaríamos o imposto de renda de pessoa física, até então inexistente no Paraguai, que vinha da tradição stroessnerista [do ex-presidente de fato Alfredo Stroessner] de que este seria um imposto comunista”, acrescenta o ex-ministro.
Mas o país somente instituiu o imposto de renda de pessoa física em 2012, com alíquota única de 10%, sem estabelecer a escala progressiva que Borda havia planejado.
Estão sujeitos ao imposto de renda de pessoa física no Paraguai aqueles que ganham mais de 36 salários mínimos por ano (equivalente a cerca de R$ 66 mil).
Também é possível deduzir muitos gastos, como moradia, educação, saúde e vestuário, o que faz com que pouquíssimas pessoas realmente paguem o imposto.
A última reforma tributária no Paraguai ocorreu em 2020, unificando os impostos pagos pelas empresas e eliminando algumas isenções fiscais.
E, embora as autoridades considerem que este ambiente tributário é favorável para atrair a entrada de capitais, os investimentos estrangeiros diretos no Paraguai mantiveram-se apenas em cerca de 1% — muito abaixo dos seus vizinhos sul-americanos.
Um dos países com menos impostos
Apesar das vantagens destacadas pelas autoridades políticas paraguaias, esta visão é contestada por especialistas como Borda e pelos organismos internacionais.
Eles entendem que é preciso arrecadar mais para ampliar as políticas sociais.
Os impostos podem ser divididos em dois grupos: os diretos, como o imposto de renda de pessoa física e jurídica, e os indiretos, como o IVA ou os tributos sobre produtos específicos.
Os impostos diretos, muitas vezes, são considerados mais justos. Eles permitem definir diferentes segmentos de tributação, em função do poder aquisitivo de cada contribuinte. Já com o IVA, todos os cidadãos — pobres e ricos — pagam o mesmo percentual.
E, enquanto os pobres pagam IVA sobre toda a sua renda (já que eles gastam todo o seu dinheiro), os ricos destinam uma pequena parcela da sua receita ao consumo.
O sistema tributário que cobra alíquotas similares de todas as pessoas é denominado regressivo. Já o sistema que cobra mais de quem ganha mais chama-se progressivo.
“As alíquotas são extremamente baixas e a regressividade do sistema permanece”, explica Borda.
O IVA é responsável por quase a metade dos US$ 2,6 bilhões (cerca de R$ 12,8 bilhões) de impostos arrecadados anualmente no Paraguai.
O imposto de renda das empresas responde por quase 40% e o de pessoa física, por 2,3%.
O governo salienta que os impostos indiretos caíram de 60% para 51% entre 2019 e 2022.
Para Borda, a proposta original do imposto de renda de pessoa física “chegou mutilada” ao dia da sua aprovação pelo Congresso, depois de vários adiamentos.
“Aqui, o lobby empresarial é muito forte e conseguiu convencer o sistema político [para que não atingisse mais contribuintes]”, diz o economista.
Segundo Borda, a reforma tributária de 2020 trouxe uma “melhoria mínima” para este imposto.
A carga fiscal — definida como a razão entre os impostos e o produto interno bruto (PIB) — do Paraguai é de 14%, a segunda mais baixa da região depois do Panamá.
O índice está abaixo da média da América Latina (22%) e dos países desenvolvidos (34%), segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD, na sigla em inglês).
Segundo o Banco Mundial, o Paraguai é o 26º país do mundo que menos arrecada impostos, proporcionalmente ao tamanho da sua economia.
“A baixa carga tributária limita a capacidade de financiamento dos gastos em direitos universais, como saúde, educação, segurança, moradia e nutrição, em um país cujo nível de pobreza é de 25% e onde existe grande desigualdade”, afirma Borda.
Em termos de PIB per capita, o Paraguai é um dos países mais pobres da América do Sul.
Dois em cada três trabalhadores paraguaios estão na informalidade, segundo o Instituto Nacional de Estatística do país (INE).
Eles não têm cobertura social nem direito à aposentadoria. Uma a cada quatro pessoas é considerada pobre, vivendo com menos de 825 mil guaranis por mês (cerca R$ 560).
Mas alguns dados são animadores: a pobreza caiu de 45% para 25% entre 1999 e 2022.
E a pobreza extrema caiu de 11,5% para 5,6% no mesmo período.
A desigualdade entre os mais pobres e os mais ricos também diminuiu nos últimos anos. Ela está agora na metade do ranking sul-americano, segundo o coeficiente de Gini, usado para medir a desigualdade entre as pessoas.
Já o PIB do Paraguai duplicou em termos constantes desde a virada do século — um crescimento quase duas vezes superior ao da América Latina e do Caribe como um todo.
Desenvolvimento sustentável
O Fundo Monetário Internacional (FMI) indicou ao Paraguai que o país deveria prosseguir com as mudanças tributárias.
“Além da melhoria contínua da administração tributária, as autoridades deveriam reavaliar os regimes tributários especiais do Paraguai para setores e atividades específicas, considerando outra reforma tributária que vá além das melhorias promulgadas em 2020”, afirmou o organismo em meados de 2022.
“Aumentar a arrecadação tributária interna continua sendo fundamental para fornecer investimentos suficientes em infraestrutura, saúde e educação para os cidadãos do Paraguai, o que aumentaria a produtividade para gerar crescimento futuro e prosperidade partilhada”, destacou o FMI na primeira revisão do seu programa com o Paraguai, no último dia 8 de junho.
Para o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), “os países com altos impostos também tendem a ser países com gastos mais altos”.
“Nos países com baixos impostos, supondo um nível mínimo de eficiência, ampliar a base tributária poderia trazer benefícios consideráveis”, afirma o BID.
E, segundo uma nota publicada no site da instituição, “apesar dos recentes avanços socioeconômicos, persistem desafios consideráveis de desenvolvimento para conduzir o Paraguai a um caminho de desenvolvimento sustentável”.
O BID entende que existem falhas no “acesso aos serviços básicos” e que é preciso procurar “melhor cobertura e orientação dos gastos sociais”.
Mas, em um programa desenvolvido com o Paraguai para “fortalecer sua política e gestão tributária e melhorar a gestão dos gastos públicos”, o BID apoiou medidas “para abordar de forma sustentável as lacunas de desenvolvimento, preservando as vantagens competitivas do Paraguai por contar com baixas alíquotas de impostos”.