O aceno do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), à tramitação a toque de caixa de projeto que proíbe delações premiadas de réus presos foi precedido pela pressão de bolsonaristas, a colaboração de deputado do PV, partido que faz parte da federação do PT, e a concordância de líderes do Centrão. Caso seja aprovado, o texto pode beneficiar Jair Bolsonaro, já que o ex-presidente está na mira da Justiça e é implicado pela colaboração do ex-ajudante de ordens Mauro Cid, diz o jornal O Globo.
Surpreendidos pela movimentação, petistas — que defendiam o mesmo texto há oito anos —, se dizem constrangidos por ter que se posicionar em assunto resgatado para beneficiar o principal nome da oposição. Em 2016, o então deputado Wadih Damous (PT-RJ), hoje Secretário Nacional de Defesa do Consumidor, redigiu a proposta. Hoje, o petista diz não entender o porquê do açodamento.
— Vejo um uso capcioso do projeto, conveniente neste momento. É pura manipulação oportunista. O debate é necessário, é claro, eu sigo sustentando que delação não é prova, mas eu não entendo a pressa de votar com urgência algo que ficou paralisado por anos. Se o objetivo é beneficiar Bolsonaro com esta aprovação, darão com os burros n’água, já que a lei não retroage, não vale para delações já feitas — diz Damous.
Operação para salvar Bolsonaro
No Congresso, a operação política para livrar Bolsonaro, da qual o projeto faz parte, também está ligada diretamente à sucessão de Lira em 2026. Sem esconder o propósito, parlamentares e a direção do PL tentam condicionar o apoio de seus deputados à adesão de uma espécie de anistia a presos do oito de janeiro e ao próprio Bolsonaro. Nesta outra frente, há proposta que pode ser analisada em breve pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
A inclusão de um pedido de urgência para o projeto que anula delações na pauta de terça-feira foi a forma encontrada por apoiadores do ex-presidente para pular etapas do debate e ressuscitar texto que estava engavetado por oito anos.
Apoio do Centrão
Com apoio de Lira, assinaram o requerimento os líderes Altineu Côrtes (PL-RJ), Aureo Ribeiro (SOLIDARI-RJ), Elmar Nascimento (UNIÃO-BA), Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), Romero Rodrigues (PODE-PB) e Luciano Amaral (PV-AL). Elmar e Isnaldo são postulantes à sucessão de Lira e têm se desdobrado para angariar apoio na oposição. Já Amaral, parlamentar de Alagoas, compõe a federação do PT, partido que alega não ter sido consultado sobre o assunto, e está afastado da direção da sigla.
Procurado, o líder do União Brasil nega que a urgência tenha o objetivo de beneficiar Bolsonaro. Quanto à necessidade de votação rápida, Elmar não esclarece o motivo.
— Quando o projeto foi apresentado, em 2016, diziam que era pra beneficiar o Lula. Agora que a Câmara quer debater e votar, dizem que é para beneficiar o Bolsonaro. Não nos cabe fulanizar a política, ficar personificando as pautas. Precisamos fazer um debate sério sobre temas que seguem atuais — diz.
O texto de Damous impõe como condição para a homologação de delações a necessidade de o acusado estar respondendo em liberdade ao processo ou investigação. O projeto também estabelece que nenhuma denúncia poderá ter como fundamento apenas as declarações do delator.
Em 2016, ao redigi-lo, Damous tentava frear a Operação Lava Jato. Agora, a bancada petista da Câmara se vê diante de um dilema. Parlamentares confessam ser um incômodo votar contra uma pauta defendida pelo partido na última década. Mas não querem abrir brecha para favorecer Bolsonaro.
A proposta também poderia favorecer os presos Chiquinho e Domingos Brazão, irmãos apontados por Ronie Lessa, um delator, como mandantes do assassinato da vereadora Marielle Franco.
Um deputado petista, por exemplo, afirma reservadamente que a bancada não terá como votar contra o texto, apesar do entendimento de que Bolsonaro será contemplado pela anulação da delação de Cid. Além de relatar fatos relacionados ao suposto desvio de joias do acervo presidencial e fraudes em cartão de vacina, o militar trata em sua colaboração sobre a existência de um plano de Golpe de Estado para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
O parlamentar petista argumenta que seria incoerente se colocar contra a iniciativa, porque o partido a apoiou na época em que ela foi apresentada, quando o presidente Lula e outros aliados estavam sob o cerco de investigações sobre desvios da Petrobras.
Esse deputado avalia ainda que houve, mais uma vez, falta de articulação do Palácio Planalto para impedir que o projeto voltasse à pauta neste momento. O ideal, para ele, era que o texto não fosse colocado em votação e continuasse com a tramitação paralisada.
Caso o pedido de urgência seja aprovado na próxima semana, o texto fica liberado pela deliberação em plenário. Na terça-feira, segundo o colunista Bernardo Mello Franco, petistas estavam surpresos com a manobra. Em conversa no cafezinho da Câmara, Lira ironizou o apelo dos petistas:
— Vocês eram a favor disso… agora são contra?