Natural do Paraná, a médica Rafaela Lopes Fonseca, de 27 anos, prometeu a si mesma conforme reportagem de Michelle Portela, do Correio Braziliense, que iria entrar para a história do Sistema Único de Saúde (SUS) já no primeiro ano de formada pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Ela é uma das profissionais que aceitaram o desafio de prestar assistência a populações de localidades remotas da Amazônia, que tem rendido uma boa remuneração a quem encara as dificuldades de transporte e moradia na região. “Queria fazer parte dessa história da garantia em saúde para a comunidade ribeirinha. Seria muito difícil não gostar dessa experiência, considerando meu perfil, mas seria impossível sem uma boa oferta”, avalia.
A exposição a viagens de longas horas pelos rios amazônicos na região do município de Manicoré, a 332 quilômetros de Manaus, capital do Amazonas, e o trabalho em áreas de difícil acesso, justificam o salário de R$ 25 mil que a médica recebe do município, além de outros R$ 3 mil pagos a título de apoio logístico. Os valores ainda estão abaixo da média no Amazonas, onde se pagam salários de até R$ 100 mil para médicos especialistas.
“Minha primeira experiência na região foi ainda durante a especialização em medicina da família. Eu queria conhecer o SUS em outra região, já que sou natural do Sul, e sempre quis vir para a Amazônia. Ao fim daquela experiência, surgiu a proposta de formalização, e eu aceitei na hora. É um grande privilégio. Sou completamente encantada com o ribeirinho”, afirma Rafaela.
O crescimento de vagas na região e os altos salários pagos são resultado da dificuldade de contratar profissionais para atuar nas localidades de mais difícil acesso.
Embora os investimentos em saúde tenham crescido na última década e já alcancem 9,6% do Produto Interno Bruto (PIB), a região Norte possui 1.421 profissionais de saúde a cada 100 mil habitantes, metade do que se encontra no Centro-Oeste, por exemplo, onde há 2.877 profissionais para cada 100 mil habitantes, de acordo com levantamento do Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (Iees) publicado em março deste ano.
Também em Manicoré, mas vinda de bem mais perto, da capital, Manaus, a médica Clara Guimarães Mota, de 25 anos, diz que escolheu a área de saúde da família durante a graduação pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam).”Logo após me formar, quando soube que tinha vaga para a Estratégia de Saúde da Família Ribeirinha em Manicoré, logo me prontifiquei”, explica a profissional. Ela trabalha na comunidade do Capananzinho, a 42km em linha reta da zona urbana de Manicoré, em regime de 15 dias de trabalho, seja em unidade física ou através de transporte fluvial às comunidades, e 15 dias de folga.
Entre os ribeirinhos, faz consultas e visitas domiciliares, além de prestar primeiros socorros e realizar pequenos procedimentos quando necessário. “Esse trabalho me proporcionou criar vínculos com a comunidade, aprender com os ribeirinhos, pensar em saúde de uma forma que não estava acostumada. Creio que, hoje, sou uma melhor médica e melhor pessoa. Futuramente, pretendo me especializar em medicina da família e comunidade e fazer pós-graduação em saúde pública ou áreas afins”, afirma.
O presidente do Conselho de Secretários Municipais do Amazonas (Cosems-AM), Manoel Barbosa, afirma que as prefeituras chegam a pagar R$ 90 mil mensais para um médico especialista atuar no interior do estado. “Quanto mais isolado o município, mais caro o profissional”, explica.
De acordo com dados do Cosems-AM, em Manicoré, onde as médicas de saúde da família trabalham, anestesistas chegam a cobrar R$ 135 mil para jornadas de 30 dias, enquanto cirurgiões e obstetras recebem remuneração de R$ 114 mil por um contrato por este mesmo período.
“A realidade é que a região Norte é deficitária de médicos devido à dificuldade de acesso aos municípios, que são distantes da capital. A gente dificilmente encontra médicos que queiram passar 30 dias nesses locais. Por isso, os municípios se obrigam a pagar altos salários”, diz Barbosa.