Segundo a revista IstoÉ, após cinco décadas de parceria, chefe do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Daad) no Rio diz que, com o fim do governo Bolsonaro, expectativa é que o Brasil volte a se abrir para trocas científicas com a Europa. Quando chegou ao Brasil em 1972, o Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Daad) encontrou uma ditadura militar. Não faltavam casos de professores e intelectuais brasileiros perseguidos pelo regime. Ainda assim, a Alemanha decidiu estreitar os laços com o Brasil na área científica e escolheu o Rio de Janeiro como primeiro destino do órgão na América Latina.
Ao longo das cinco décadas de trocas entre os dois países, os últimos quatro anos ficaram marcados pela dificuldade em seguir com a parceria, comenta Jochen Hellmann, diretor do Daad no Brasil, em entrevista à DW. A expectativa é que o clima melhore a partir de 2023, quando Lula inicia seu terceiro mandato como presidente.
“Uma outra expectativa é que o novo governo faça com que o Brasil se abra novamente para a Europa, para a Alemanha, e que muitos cientistas – e também políticos – possam vir até aqui constatar como o país é um parceiro sensacional para cooperação científica”, pontua Hellmann.
Para comemorar o jubileu, o Daad acaba de lançar o livro Com a palavra, os saberes – Histórias de quem constrói pontes entre as academias brasileira e alemã, que traz 50 entrevistas de ex-bolsistas. São relatos como o de Gilmar Mendes, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que fez doutorado na Universidade de Münster e pesquisou paralelos entre a Corte Constitucional alemã e o STF.
Histórias marcantes, como a de Irene Alleluia Meyer, mulher negra de origem humilde da Bahia, também estão na publicação. Pesquisadora aposentada em Química Nuclear, ela narra as dificuldades de seguir por uma área até então dominada pelos homens na década de 1970. “Meu orientador nunca tinha tido uma doutoranda mulher”, conta.
“Acho que isso pode encorajar jovens a dar esse passo, mostra o quanto a troca pode ser rica. É muito importante também para mostrar aos jovens alemães como é possível ter uma vida boa como estudante nas universidades e centros de pesquisa neste país maravilhoso que é o Brasil”, comenta Hellmann sobre os 50 anos de cooperação entre os dois países.
DW Brasil: Quais os principais marcos que o senhor considera nestes 50 anos de história de cooperação com o Brasil?
Jochen Hellmann: Muitas mudanças aconteceram nestas cinco décadas. Nós temos hoje uma outra forma de governo, por exemplo, que em 1972, quando foi fundado no Rio de Janeiro um escritório do Daad. Mas certamente, independente da forma de governo, uma grande cooperação científica sempre ocorreu entre os dois países.
Eu gostaria de destacar que durante os anos do governo Lula muitos brasileiros foram para Alemanha para estudar e pesquisar. Naquela época, o governo investiu muito dinheiro na internacionalização e, agora, a esperança é que a partir de janeiro, com o novo governo, esse sucesso possa ser repetido por meio de novos programas de mobilidade acadêmica voltados para jovens pesquisadores brasileiros e também para alemães.
Qual a expectativa em torno da cooperação entre os dois países agora que Lula volta a governar?
A expectativa é de uma melhora geral do clima em diversos aspectos. A expectativa é que o novo governo disponibilize mais recursos para as organizações de fomento à ciência, para as universidades, para que elas possam, assim, seguir com os programas de internacionalização.
Esperamos muito que instituições como a Capes [Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior] e CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] sejam novamente fortalecidas para que, junto com o Daad, possam organizar programas de intercâmbio entre Brasil e Alemanha. Isso seria muito bom. Nós esperamos muito que o novo governo invista novamente na internacionalização do ensino superior.
Uma outra expectativa é que o novo governo faça com que o Brasil se abra novamente para a Europa, para a Alemanha, e que muitos cientistas – e também políticos – possam vir até aqui constatar como o país é um parceiro sensacional para cooperação científica.
Como o senhor avalia os últimos quatro anos do governo Bolsonaro e a influência que ele teve sobre a cooperação científica?
Não foram anos bons para a cooperação internacional. Eu gostaria de ressaltar que as universidades e centros de pesquisa foram parceiros muito ativos junto a instituições de ensino superior da Alemanha e que muitos projetos de cooperação aconteceram. No entanto, não se pode dizer que o governo brasileiro tenha contribuído para que isso ocorresse. Pelo contrário: os cortes feitos pelo governo nas universidades federais foram muito prejudiciais para o trabalho em geral. Preciso dizer que esses últimos anos não foram os melhores para a cooperação entre Brasil e Alemanha na área do ensino superior.
O livro apresenta uma grande diversidade de ex-bolsistas do Daad. Quais são as áreas consideradas estratégicas para uma cooperação científica bem-sucedida?
Acredito que, a princípio, todas as disciplinas científicas são interessantes para uma troca entre Brasil e Alemanha. Todas são importantes. Precisamos das ciências naturais, das exatas, precisamos também das ciências humanas e sociais. É claro que existem temas que são mais relevantes quando se considera a agenda internacional. Biodiversidade, mudanças climáticas, proteção dos recursos naturais, energias renováveis, além de agricultura e produção de alimentos de forma sustentável. Também as áreas da saúde, prevenção de pandemias, medicina em geral. Esses são alguns exemplos de temas de pesquisa nos quais o Brasil tem muita experiência e que são interessantes para os cientistas alemães. As universidades brasileiras têm muitas pessoas que acumularam muita experiência nessas áreas e que podem gerar sinergias com os pesquisadores alemães.
O livro que acabamos de publicar sobre os 50 anos do Daad no Brasil traz muitos cientistas brasileiros e alemães, jovens e também os mais experientes. Todos que tiveram a sorte de experimentar o intercâmbio entre os dois países relatam como a vida seguiu numa direção interessante. Os brasileiros dizem que a estada na Alemanha proporcionou muito aprendizado; os alemães afirmam que o tempo que passaram no Brasil foi uma das fases mais bonitas que tiveram na vida.
Acho que isso pode encorajar jovens a dar esse passo, mostra o quanto a troca pode ser rica. É muito importante também para mostrar aos jovens alemães como é possível ter uma vida boa como estudante nas universidades e centros de pesquisa neste país maravilhoso que é o Brasil.