As toalhas com o rosto de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) incorporadas à decoração, o vermelho na cor das roupas, a bandeira com o número 13 estendida na varanda e os adesivos de apoio colados nos dois carros do lado de fora não deixam dúvida: é lulista, com certeza, a casa do servidor público e biólogo Pedro Passos, 52, em Garanhuns (PE), terra natal do ex-presidente e líder da corrida ao Planalto.
O clima de campanha se completou nos últimos dias com os coros de “Lula lá”, no ritmo do tradicional jingle. Ao lado da esposa, primos e da filha, o morador entoou os versos com vigor no último dia 27, enquanto assistia à estreia da propaganda obrigatória na TV. Não só a música ecoou na sala, mas também o discurso de Lula na busca por um terceiro mandato.
“O governo de Lula trouxe oportunidades para as pessoas, que hoje estão passando fome”, afirma Passos, filiado ao PT e afinado com a mensagem petista contra o candidato à reeleição Jair Bolsonaro (PL).
“Você vai ao supermercado e não consegue mais fazer nada. Precisamos falar de fome, e só sabe falar disso quem de fato passou, sente. Lula fala com a autoridade de quem já viveu isso.”
A guerra de narrativas, a enxurrada de fake news nas redes sociais, as entrevistas com presidenciáveis, o primeiro debate e os anúncios na programação da TV esquentaram o interesse pela eleição no berço de Lula e também em Eldorado (SP), onde Bolsonaro passou a juventude.
A Folha acompanha em uma série de reportagens o desenrolar da disputa nas duas cidades, que tiveram papel decisivo na trajetória de ambos os líderes políticos e repetem a polarização nacional em torno deles, embora com proporções e características próprias.
Enquanto o município pernambucano devota apoio ostensivo ao PT e sempre votou em peso nos presidenciáveis da sigla, Eldorado tem divisão mais escancarada. Bolsonaristas se concentram no núcleo urbano e lulistas predominam na zona rural —habitada, simbolicamente, por 13 comunidades quilombolas.
No Nordeste, a batalha eleitoral vai gradualmente dominando o boca a boca e aparecendo em fachadas. Lula nasceu em Caetés, que era na época um distrito de Garanhuns e só depois se emancipou.
“Esta é uma eleição plebiscitária. É preciso romper com o modelo de gestão genocida e fascista que está no país”, diz Passos, alardeando a tese de que o petista, se vencer, vai salvar a democracia e retomar políticas de inclusão social, deixando para trás o desemprego e as desigualdades.
Dono de um bar em uma região mais pobre da cidade, Geraldo Magela, 63, nem precisaria de palavras para declarar seu voto —o estabelecimento ostenta nas paredes adesivos de “fora, Bolsonaro” e bandeira do PT. A trilha sonora tem músicas favoráveis a Lula que ele bota para tocar no YouTube.
Mesmo assim, o comerciante não economiza na retórica: “Considero Lula como Mahatma Gandhi, o homem que libertou a Índia dos ingleses”.
Mentiras e acusações contra os candidatos vez ou outra entram nas rodas, mas o amplo suporte a Lula nas redondezas acaba por neutralizar discussões. Informações falsas, como a espalhada por bolsonaristas dando conta de que o petista fechará igrejas se voltar ao governo, costumam ser relativizadas.
Apesar do petismo evidente do dono do bar, eleitores do campo adversário são bem aceitos no local, segundo Magela. Ele gostou da entrevista do ex-presidente no Jornal Nacional, da TV Globo, e afirma admirá-lo por olhar para os pobres, que mais sofrem em tempos de crise.
Para o advogado João Paulo Vasconcelos, 39, no entanto, Lula “se esquece” propositalmente de Dilma Rousseff (PT). O apoiador de Bolsonaro, crítico à omissão da sucessora nos anúncios, responsabiliza a ex-presidente por problemas econômicos que se arrastam até hoje.
“Lula fala de inflação, mas esse índice no Brasil é um dos menores do mundo entre os países”, diz ele, na contramão de dados oficiais.
No caso de Istherfany Pereira, 18, o crucial para seu apoio ao atual mandatário é a agenda de costumes. Fiel da Assembleia de Deus, a aprendiza de auxiliar administrativo vê o postulante como representante autêntico da fé cristã, o que o marketing dele busca reforçar.
“A esquerda vai muito contra o que não aceito. Seguimos [na direita] princípios baseados na Bíblia e em valores cristãos. E entender que é preciso o melhor para o Brasil”, diz. A jovem defende, por exemplo, que família é “mãe, pai e filho” e nega influência da igreja em seu voto.
Em Eldorado, a pauta conservadora justifica o apoio a Bolsonaro, ao lado da agenda anticorrupção e antiesquerda. Para muitos, é a combinação perfeita: o candidato encarna bandeiras em que acreditam e ainda carrega o valor sentimental de ter vivido na localidade dos 11 aos 18 anos. Ele recebeu 54% dos votos válidos no município no segundo turno de 2018.
As raízes do presidente em Eldorado foram tema de um de seus primeiros programas de TV no horário eleitoral, com direito a fotos dele na juventude e depoimentos de conhecidos.
No último domingo de agosto (28), a cidade despertou sob o canto dos pássaros nas árvores da praça central e os versos repetidos à exaustão da música “Eu Te Amo, Meu Brasil”, hino ufanista da ditadura militar (1964-1985).
A canção vinha da caixa de som colocada no carrinho da catadora de materiais recicláveis Marli Miranda, 62, que circulava na concentração de um “adesivaço” pró-Bolsonaro. Ela, que pertence à Igreja Evangélica Pentecostal Betânia, fica emocionada ao falar do mandatário: “É um homem de Deus”.
Foi a primeira grande mobilização desta eleição no município. Simpatizantes de Lula se declaram mais abertamente nos quilombos. Os da zona urbana evitam se expor por razões profissionais ou pessoais. Muitos se recusam a dar entrevista e nem sequer cogitam manifestações de rua.
Ao longo do dia, foram colados adesivos de Bolsonaro em 130 carros, segundo os coordenadores, uma turma de cerca de 15 pessoas. Bandeiras do Brasil, faixas e adereços em verde e amarelo foram espalhados pelo local.
Enquanto acompanhavam a atividade, os apoiadores discutiam detalhes do 7 de Setembro —uma parte fará uma marcha no município, outra viajará a São Paulo para o ato pró-Bolsonaro na avenida Paulista.
Segundo a professora Vania Brisola, 60, que ajudou na manifestação, parte dos materiais de divulgação foi repassada por Renato Bolsonaro, irmão do presidente e agitador da campanha no Vale do Ribeira.
“Isso é coisa do capiroto! Espírito do Lula! Tá repreendido”, zombou alguém quando a folha seca de uma palmeira da praça despencou no chão, sem atingir ninguém.
Uma mulher, antes de lanchar, ironizou: “Vou comer um pão porque eu apoio o agro” —alfinetada no petista por dizer no JN que parte do agronegócio é fascista. Um motorista mandou o filho tirar o boné vermelho: “Dá azar”. Outra participante completou: “PT aqui não!”.
Além de desacreditar institutos de pesquisa, o grupo repercutia conteúdos que associam o ex-presidente ao demônio e comentava informações já desmentidas pelo PT e por agências de checagem, como a insinuação de que o candidato bebeu cachaça em um palanque.
O funcionário público Heber Teles, 29, mostrava no celular o vídeo em que Lula supostamente recebe um papel com uma “cola” durante o telejornal da Globo. Mesmo confrontado com elementos que contrariam a história, ele pareceu não se convencer.
À noite, parte dos militantes se reuniu em um bar para assistir ao primeiro debate entre os presidenciáveis. Aplausos se seguiam a cada resposta dura de Bolsonaro ao antagonista. Quando Lula aparecia na tela, eram ouvidos gritos de “ladrão”, “safado” e “mentiroso”.