Em entrevista ao jornal O Globo, o médico neurocientista e professor catedrático da Universidade de Duke (EUA), Miguel Nicolelis, vê o colapso se aproximar no horizonte da pandemia. Alertou autoridades e orientou as medidas a serem tomadas, em especial um necessário lockdown. Na semana passada, deixou a coordenação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19.
O agravamento da pandemia da Covid-19 vem levando os sistemas hospitalares de diversos estados ao colapso, de Norte a Sul do país. No dia em que o país registrou o pior número de mortos em 24 horas de toda a pandemia (foram 1.582 óbitos registrados em apenas um dia, com recorde também na média móvel de mortes, que ficou em 1.150), Nicolelis conversou com O GLOBO e defendeu a necessidade de um lockdown nacional por 21 dias.
Só isso, diz, pode evitar o colapso simultâneo da saúde (e depois funerário) em praticamente todo o país: “A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia”.
Em entrevista ao jornal O Globo, o neurocientista falou em chance de “colapso nacional” do sistema de saúde e disse que situação é de guerra.
“Eu estou vendo a grande chance de um colapso nacional. Não é que todo canto vá colapsar, mas boa parte das capitais pode colapsar ao mesmo tempo, nunca estivemos perto disso. Se eliminar o genocídio indígena e a escravidão, é a maior tragédia do Brasil. A ausência de comando do governo federal é danosa. Isso é uma guerra. Em outros países essa é a mensagem que foi dada, veja a China. É curioso ver que no mundo ocidental exista dificuldade de transmitir essa mensagem da gravidade. Em Israel, metade da população foi vacinada no meio de um lockdown, e Israel é um país que entende o que é uma guerra. Adotaram discurso de salvação nacional, a mobilização foi total”, destacou Nicolelis.
O ex- coordenador do Comitê Científico do Consórcio Nordeste para a Covid-19 cobrou mais uma vez um fechamento total das atividades e interrupção do fluxo de pessoas nas ruas, pelo prazo de ao menos 19 dias, sob pena de perdas ainda maiores de vida e da economia.
“O Brasil precisaria de um lockdown nacional, com uma campanha de comunicação, porque a gente precisa da colaboração da população. A população precisa acordar para a dimensão da nossa tragédia. Nessa altura, essas medidas de restrição de horário não têm efeito, porque o grau de espalhamento é tão enorme que se compensa durante o dia, quando as pessoas vão aos restaurantes, shoppings, pegam transporte lotado, não funciona. A consequência da perda de meio milhão de pessoas não dá nem para imaginar. Sem gente não tem economia, ninguém produz, ninguém consome. É inconcebível”, desabafou o cientista.
Carnaval
O especialista também falou da expectativa dos brasileiros pelo ano de 2022, prevendo ainda o carnaval, coisa que acredita que não irá acontecer se o país seguir no ritmo de vacinação e contaminação que está hoje: “O pessoal fala que daqui a um ano vai estar tudo certo, em 2022 vai ter carnaval. Do jeito que a carruagem está andando, a perda de vidas pode chegar ao dobro daqui a um ano. E tudo isso num país que tem um sistema de saúde conhecido no mundo, capilarizado, que tem tradição de campanhas de vacinação. Ninguém esperava que o Brasil fosse ter uma performance tão baixa. Poderíamos estar vacinando 10 milhões, mais do que qualquer país. É como uma tragédia grega, mas é brasileira, que alguém vai contar um dia. Porque ela é épica, como a derrota dos troianos”.
O médico falou ao jornal O Globo sobre os motivos de ter saído da coordenação do Comitê Científico do Consórcio Nordeste.
“Saí porque fiz o que tinha que fazer, criei estrutura, implementei procedimentos, elaboramos todas as recomendações possíveis da ciência, e agora está tudo lá na mesa dos gestores. Avisamos em 18 de dezembro que a situação ia ficar crítica. Tudo o que foi pedido foi realizado, e o resultado foi melhor do que eu esperava, mas a gente quando é cientista sabe que chega a hora que fez o que podia fazer. Minha missão foi cumprida, deixei minha vida de lado para achar as melhores formas de combater a pandemia no Brasil”, asseverou Nicolelis.