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segunda-feira 26 de outubro de 2020 às 09:14h

Eleições 2020: sete desafios que os prefeitos eleitos irão ter que enfrentar

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A partir de 1º de janeiro do próximo ano, mandatários municipais terão de lidar com vários problemas agravados pela crise do coronavírus, como crescimento da população em situação de rua e queda de arrecadação.

O Brasil tem 5.570 municípios, dos quais apena 49 tem mais de 500 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 17 deles, a população ultrapassa 1 milhão de pessoas. Só as 27 capitais concentram 50 milhões de habitantes, o que equivale a quase 24% de toda a população brasileira em 2020.

Em 15 de novembro, será realizado o primeiro turno das eleições que vão escolher um novo prefeito ou reeleger antigos mandatários nestes municípios. O segundo pleito está previsto para o dia 29 do mesmo mês.

Cada um desses municípios tem problemas próprios e soluções que levam em conta o contexto local. Porém, é possível identificar alguns gargalos comuns a grande parte das maiores cidades brasileiras.

Um mês antes do primeiro turno, a BBC News Brasil listou sete grandes desafios urbanos que os novos prefeitos terão de encarar a partir de 1º de janeiro de 2021, quando assumirem o cargo.

Entre esses pontos, estão a queda de arrecadação de impostos depois da pandemia de covid-19, a demanda reprimida no serviço de saúde por causa da quarentena, a expansão da malha de transporte público e o crescimento da população em situação de rua.

A reportagem consultou pesquisadores, urbanistas, professores e estudiosos para saber quais são os gargalos e as possíveis soluções para cada uma dessas áreas.

Veja abaixo.

1 – Queda de arrecadação após a pandemia

Um dos grandes desafios para os próximos prefeitos será lidar com uma possível queda na arrecadação de impostos após a pandemia de covid-19.

Com a diminuição da atividade econômica e o aumento do desemprego, a tendência é que os municípios arrecadem menos e, assim, tenham recursos escassos para investir em setores importantes, como educação, saúde e mobilidade.

No geral, a arrecadação das cidades brasileiras se divide entre recursos próprios, como IPTU e ISS, repasses dos governos federal, com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e verbas oriundas dos governos estaduais, como uma participação no bolo do ICMS.

O peso de cada um deles depende de fatores como o tamanho do município e a maneira como o tributo é cobrado. Em São Paulo, por exemplo, o IPTU representa 17% da arrecadação, mas, em cidades menores, o imposto chega a apenas 1% da fatia tributária. Por outro lado, um terço dos municípios não tem nenhuma arrecadação própria e depende exclusivamente de repasses federais e estaduais.

“Tirando o IPTU, os outros impostos dependem da atividade econômica, pois incidem sobre o consumo. A maioria dos municípios tem certa dependência dos repasses do ICMS, que é fortemente impactado pela recessão”, explica Ursula Dias Peres, professora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole (CEM).

“A arrecadação caiu 4%, menos do que os 20% que projetava durante a pandemia. Acreditamos que isso ocorreu por causa do auxílio emergencial de R$ 600. Esse valor acabou mantendo um certo consumo das famílias”, diz Peres.

Caso a economia não melhore depois do fim do auxílio, é possível que municípios tenham menos verbas para investir em políticas públicas. “Se não houver um impulso na arrecadação, as cidades só vão conseguir pagar custos fixos, como salários”, afirma.

Para ela, uma das soluções seria uma reforma tributária que substitua o ICMS por alguma taxa mais simples e que incida sobre a renda — e não sobre o consumo. “Cada Estado cobra o ICMS de uma forma diferente. Isso acaba gerando uma guerra fiscal entre os Estados, que, para atrair mais empresas, dão benefícios. Mas, a longo prazo, esse imposto sobre o consumo onera os mais pobres e dificulta a produção”, explica.

2 – Lidar com a demanda reprimida na saúde

Além de lidar com os casos de covid-19 — que sem uma vacina devem continuar aparecendo —, os municípios brasileiros também terão que dar conta de todas as outras questões de saúde que ficaram “na geladeira” durante a quarentena, explica a pesquisadora Gabriela Lotta, professora de administração pública da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

“Teremos um cenário muito mais difícil do que já era, com uma demanda reprimida que será gigantesca”, afirma.

A pandemia gerou quatro principais consequências com as quais os prefeitos terão que lidar nos próximos anos, explica Lotta.

A primeira é o aumento na demanda por exames e consultas por pessoas que adiaram esses procedimentos em 2020 por causa da pandemia. A espera para esses procedimentos com especialistas já era longa antes da pandemia — em Belo Horizonte, por exemplo, as filas para marcar exames no Centro de Especialidades Médicas chegavam a dar a volta no quarteirão. Em Peruíbe, no litoral de São Paulo, o pedido de mamografia podia levar até dez meses para ser atendido.

A falta de prevenção leva ao segundo problema causado pela demanda reprimida, explica Gabriela Lotta: o aumento das doenças e problemas crônicos de saúde.

“Vai aparecer gente que estava com câncer e não sabia, porque não conseguiu fazer os exames, vão aparecer os hipertensos e diabéticos; e diversas pessoas cujas doenças se agravaram como consequência do não atendimento neste ano”, diz Lotta.

A terceira consequência é que o empobrecimento gerado pela crise econômica aumenta a pressão sobre o SUS, já que um grande número de pessoas que tinham planos de saúde e eram atendidas na rede privada agora terão de buscar o sistema público.

Cerca de 364 mil pessoas perderam seus planos de saúde entre março e junho de 2020, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS). Embora nos meses de julho e agosto tenha havido uma pequena alta no número de beneficiários em relação aos meses anteriores, o setor não recuperou o número que tinha antes da pandemia.

O quarto grande problema gerado pela pandemia são as possíveis sequelas deixadas nos pacientes que sobreviveram ao coronavírus. “Ainda não se sabe a extensão disso, mas com certeza será um grande desafio”, diz Lotta. A lista de possíveis sequelas da covid-19 inclui danos no coração, nos rins, no intestino, no sistema vascular e até no cérebro.

E todos esses problemas surgem em um cenário fiscal difícil, com corte de repasses e queda de arrecadação. Para Lotta, as possíveis soluções para os problemas são diferentes dependendo do porte do município.

“Temos realidades muito distintas no Brasil. Nos municípios de pequeno porte há indisponibilidade de equipamento e pessoal, mas não se resolve aumentando equipamento”, afirma Lotta. “Não faz sentido uma cidade de 20 mil habitantes ter equipamentos super caros.”

“A solução é a regionalização do serviço de atenção especializada, com clínicas regionais e meios para que as pessoas cheguem a essas locais.”

Segundo Lotta, esses centros podem ser feitos tanto a partir de incentivo do governo do Estado quanto a partir de consórcio entre prefeituras.

“É uma atenção que precisa ser específica para a situação local. Em locais de difícil acesso, como em algumas regiões amazônicas, faz mais sentido uma clínica num barco itinerante, como inclusive já existe”, afirma Lotta.

Já em grandes cidades e capitais, o problema não é necessariamente a indisponibilidade equipamentos, mas a gestão das filas e dos processos, explica Lotta.

“Em São Paulo por exemplo, você tinha um problema de que o encaminhamento para exames era do outro lado da cidade, e a pessoas acabavam não indo. Com a implementação de serviço de confirmação de consulta, de SMS, você diminui esse problema, até porque as pessoas que podiam ter ido vão entrar de novo na fila”, afirma. “Então a priori é mais uma questão de sistemas de gestão.”

3 – Ampliar as vagas de creches e retomar as aulas pós-pandemia

Na área de educação, os municípios vão lidar com situações muito diversas entre si nos anos pós-pandemia, afirma a professora Anna Helena Altenfelder, diretora executiva do Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária (Cenpec).

“Municípios pequenos terão um impacto fiscal muito grande da perda de receitas e repasses, e menos condições de fazer frente a seus desafios”, afirma Altenfelder.

E um dos principais desafios em termos de educação, que é de responsabilidade dos municípios, é ampliar o número de vagas de creches — justamente algo que exige muitos recursos.

“É um dos problemas mais difíceis de resolver porque creche custa mais caro”, afirma a professora Regina de Assis, especialista em educação e mídia, ex-membro do Conselho Nacional de Educação e ex-secretária de Educação do Rio de Janeiro. “São necessários espaço físico, equipamentos como berço e locais para troca de roupas, além de mais pessoal qualificado, porque são bebês, crianças muito pequenas, as turmas não podem ser numerosas.”

Mas é um problema que está longe de ser exclusivo de cidades pequenas. Até dezembro de 2019, em São Paulo, o déficit era de 75 mil vagas de creches. No Rio de Janeiro, faltavam mais de 36 mil vagas.

“Políticas de primeira infância são fundamentais para o desenvolvimento do aprendizado e de habilidades que serão necessárias no futuro. É bastante sério que esse direito não seja garantido”, diz Altenfelder.

A falta de vagas leva a problemas como insegurança alimentar e riscos físicos para as crianças, diz a especialista, porque muitas das famílias são obrigadas a deixar os pequenos em situações informais e precárias de cuidado para poderem trabalhar.

Para Altenfelder, o primeiro caminho para os municípios é lidar com a questão como uma política de Estado, e não de governo, diz Altenfelder, e tentarem seguir com seus planos municipais de educação.

“Os prefeitos e secretários têm que olhar seus planos, entender que foram feitos com consenso com a sociedade, e vão ver que algumas soluções já estão apontadas ali”, diz ela.

“Tem saídas intermediárias que não envolvem construção de estrutura, como o processo de se ter creches conveniadas, onde se respeitem as diretrizes municipais”, diz Altenfelder.

Os prefeitos também devem recorrer ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), afirma Regina de Assis, pois têm direito a uma verba específica para creches. “O problema é que muitos secretários de cidades do interior nem sabem disso, não exigem as quantias adequadas, porque muitos não são nem especialistas em educação”, diz ela.

“Neste momento, mais do que nunca, será necessário que os prefeitos escolham secretários da área de educação, com experiência em gestão e que entendam suas realidades locais.”

O retorno das aulas pós-pandemia também será um dos principais desafios, dizem as especialistas, tanto em termos logísticos quanto pedagógicos.

“Além de todos os problemas como a questão da saúde dos alunos e dos professores, a necessidade de distanciamento, as questão de calendário, também teremos o desafio de cuidar da gestão pedagógica, já que se perdeu praticamente o ano letivo todo e é preciso fazer uma recuperação da aprendizagem e uma reorganização curricular”, diz Altenfelder.

“A colaboração entre secretarias de Educação, Saúde, Assistência Social, Cultura e Esporte vai ser essencial, tanto para maximizar recursos quanto para encontrar soluções em conjunto”, afirma a diretora do Cenpec.

E até que surja uma vacina contra a covid-19 e haja imunização ampla, dizem as especialistas, não será possível descartar as estratégias de estudo à distância. “É possível que a situação dure até 2022 e é preciso levar isso em consideração”, diz Regina de Assis.

4 – Melhorar a mobilidade e financiar o transporte coletivo

Nos últimos 10 anos, o sistema de transporte coletivo de Porto Alegre perdeu 31% de seus passageiros. Mas esse não é um fenômeno apenas da capital gaúcha. Grandes metrópoles do mundo, como Londres, Nova York e São Paulo, também têm visto o número de passageiros diminuir nos últimos anos — com a pandemia, esse cenário se agravou.

A explicação passa por uma maior oferta de aplicativos de transporte, como o Uber e 99, serviço que em muitas cidades não é regulado. Mas, no caso brasileiro, também passa pela baixa qualidade do serviço do transporte coletivo: ônibus demorados, superlotados e que ficam horas presos em congestionamentos.

“O transporte público vive uma crise há alguns anos e, depois da pandemia, ela tende a se agravar”, explica Luis Antonio Lindau, diretor de Cidades do instituto de pesquisas WRI Brasil. “Na grande maioria das cidades brasileiras, o transporte é financiado pela tarifa cobrada dos passageiros. Como o número de passageiros tem caído, os recursos vão ficar cada vez menores.”

Então, como resolver esse dilema: melhorar o transporte público com menos dinheiro em caixa?

Uma saída seria tentar atrair mais passageiros tornando o serviço mais confortável e eficiente para moradores de bairros distantes — com aumento do número de corredores exclusivos. Outra seria cobrar de quem usa carro individual como uma forma de, segundo Lindau, compensar pelo alto custo econômico e ambiental desse veículo.

Um estudo publicado em 2018 na revista Ecological Economics calculou que cada quilômetro rodado com um carro gera, dentro dos países da União Europeia, um custo externo para a sociedade de € 0,11 (R$ 0,72). Já o uso da bicicleta e as caminhadas economizam € 0,18 e € 0,37 por quilômetro percorrido, respectivamente.

“O uso do carro gera uma série de externalidades negativas, como poluição, acidentes e trânsito. É por isso que algumas cidades, como Londres, adotaram a taxa de congestionamento, que cobra pela circulação do carro em determinado perímetro. Já que não conseguimos devolver o ganho para as pessoas que caminham e pedalam, precisamos cobrar pelas externalidades do uso do transporte individual, e essa arrecadação poderia financiar o transporte coletivo”, explica.

Já Dante Rosado, coordenador da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária, cita outro grande problema das ruas e estradas brasileira: as mortes causadas por acidentes. “No Brasil morrem 40 mil pessoas por ano em acidentes de trânsito, em média. É uma epidemia silenciosa que não tem sensibilizado a sociedade”, diz.

Para ele, uma das soluções seria deixar as vias mais seguras, com fiscalização e redução das velocidades máximas permitidas, como recomenda a Organização Mundial da Saúde (OMS). Mas também investir mais em alternativas de transporte de baixo impacto, como transporte coletivo, ciclovias e caminhada. “Nas últimas sete décadas, nossas cidades foram construídas para privilegiar o transporte individual. E a indústria nos vende esse sonho de que o carro é a solução para mobilidade das pessoas. E ele não é.”

5 – Moradia e urbanização de bairros populares

A política habitacional no Brasil historicamente fomenta a construção de casas, que depois serão financiadas à população por meio de subsídios bancados pelo poder público.

Nas últimas décadas, essa estratégia, além de não resolver as necessidades habitacionais, criou uma série de problemas: bairros dormitórios com milhares de casas e prédios, longe dos centros das cidades e sem muita estrutura urbana, como comércio, escolas, hospitais e transporte público de qualidade.

Além disso, milhões de pessoas ainda vivem em construções precárias, como áreas de risco.

“O próprio conceito de déficit habitacional é bastante ligado à indústria da construção civil e imobiliária. A construção é uma das soluções, mas não a única nem aquela que deve ser priorizada. Até porque, a população mais pobre, que normalmente é a mais carente de habitação, não consegue alcançar as faixas de renda desses financiamentos”, explica Raquel Rolnik, professora da FAU-USP e coordenadora do LabCidade.

Para ela, os prefeitos deveriam também focar em políticas de locação social para a população mais pobre, além de urbanizar bairros populares que “carecem de urbanidade e estrutura”.

“Além disso, nesse momento de emergência habitacional agravado pela pandemia, é muito importante que haja uma suspensão das remoções de moradores. As pessoas não podem ser removidas de suas casas para serem jogadas na rua, que é para onde elas têm ido. Para isso, é importante ter algumas intervenções emergenciais em locais de moradia, mesmo que elas não sejam 100% adequadas”, diz Rolnik.

6 – Crescimento da população em situação de rua

Entre 2015 e o ano passado, a população em situação de rua cresceu 53% em São Paulo, atingindo 24 mil pessoas, segundo um censo da prefeitura. Com a crise econômica gerada pela pandemia de covid-19, é bem possível que essa população vulnerável tenha crescido não só em São Paulo, mas também em outras cidades grandes.

O levantamento em São Paulo mostrou que 32% das pessoas que vivem na rua têm entre 31 e 49 anos; 69% se declaram negros (preto + pardo) e mais de 60% viviam na região central da cidade.

“O desemprego crescente é um evento disparador que pode levar as pessoas às ruas, mas não é o único. O censo mostra como fatores principais a questão do uso abusivo de álcool e outras drogas, problemas psiquiátricos, conflito intrafamiliar e dinâmicas de violência doméstica”, explica Renata Bichir, professora da USP e pesquisadora do Centro de Estudos da Metrópole.

“A solução passa por várias políticas que devem ser integradas: assistência social, moradia, saúde, melhorias de abrigos, educação e combate à pobreza e à desigualdade. A gente ainda tem uma grande confusão sobre o assunto, pois falamos muito de assistencialismo e filantropia. Óbvio que eles são importantes, mas a assistência social precisa ser encarada pelos prefeitos como uma política pública de fato”, diz Bichir.

Segundo a pesquisadora, já é possível notar em São Paulo uma mudança de perfil dessa população, que, antes da pandemia, era formada principalmente por homens. “Não temos só um aumento de contingente, mas de perfil. Hoje já vemos famílias inteiras vivendo nas ruas, com crianças e mulheres. Quando isso acontece, precisamos pensar também em dinâmicas de violência sexual, abuso e trabalho infantil. Isso muda completamente o patamar da política pública nessa área”, afirma Bichir.

7 – Controlar pragas urbanas e vetores de doenças

Um problema crônico que se torna cada dia mais urgente — ainda mais em um cenário onde a saúde pública já está saturada — é a infestação de cidades por pragas urbanas que são vetores de doenças.

“É uma situação já está agravada há muito tempo, onde os ambientes urbanos estão muito propício para pragas. A gente tem uma visão sobre o Aedes aegypti, mas é uma questão muito ampla: temos roedores, ratazanas, moscas, baratas, outros mosquitos, escorpiões e até fungos. É um leque grande”, afirma o pesquisador da Fiocruz Eduardo Wermelinger, entomologista especializado em vetores e pragas urbanas.

Muitas doenças espalhadas por pragas são conhecidas pela população, como a doença de chagas (transmitida pelo barbeiro), a leptospirose (transmitida por ratos), a dengue, a zika e a chikungunya (transmitidas pelo aedes). Mas há também outras menos conhecidas pela população e muitas vezes ignoradas até pelo poder público, como a oncocercose (cegueira dos rios) transmitida por moscas do gênero Similium (borrachudos), a leishmaniose transmitida por mosquitos flebotomíneos (mosquitos-palha) e diversas doenças transmitidas por pulgas e carrapatos.

Diversos fatores contribuem para que as cidades brasileiras sejam propícias a pragas. A maior parte delas está em região tropical, onde temperaturas mais elevadas e umidade favorecem a proliferação de pragas, explica o pesquisador.

“Além disso, um padrão comum nos municípios brasileiros é o crescimento desordenado, sem planejamento e com falta de saneamento, o que também favorece a proliferação”, diz Wermelinger.

Só 53% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto — um problema que não se restringe aos locais mais pobres, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento coletados pelo instituto Trata Brasil. Entre as 100 maiores cidades do país, 35 municípios têm menos de 60% da população com coleta de esgoto.

Outro fator pouco percebido são as galerias subterrâneas.

Galerias de esgoto, da água da chuva e até áreas de cabos de serviço oferecem água, abrigo e alimento para as pragas e até mesmo rotas de migração, diz o especialista. “Ratos, por exemplo, podem migrar para todos os pontos da cidade sem a que gente perceba”, diz.

O entomologista diz que o controle das pragas com inseticidas é importante, mas não soluciona a questão. “É como estar com dor de cabeça e tomar uma aspirina: trata o sintoma e não a causa. É uma medida paliativa, um controle temporário.”

A melhor estratégia para o controle de vetores de doenças, diz, é o chamado manejo ambiental. “É quando a gente transforma o ambiente para que ele se torne inapropriado para pragas”, afirma.

Para isso, afirma, o desafio dos prefeitos na verdade é fazer o básico: “É preciso fazer o feijão com arroz, não tem segredo. Ter serviços de controle com pessoal capacitado, bem treinado, manter profissionais experientes e que conheçam os detalhes e níveis de infestação de cada município.”

“É preciso também ter equipes que trabalhem de janeiro a janeiro, não somente em épocas de transmissão da dengue, por exemplo”, diz o pesquisador.

E a principal tarefa dessas equipes é justamente fazer o controle ambiental: vistoriar galerias e eventualmente fechá-las, inspecionar e cuidar de calhas e se atentar para os outros diversos tipos de pragas possíveis.

Outra medida essencial é o controle do lixo, fator para a proliferação de mais de uma praga — baratas, moscas, ratos e carrapatos.

“Cada praga tem medidas específicas que uma equipe especializada vai conhecer e poder lidar”, afirma. “Para ratazanas, por exemplo, é essencial capinar terrenos baldios e negociar com a população para retirar entulhos dos quintais.”

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